128 dias foi o tempo que durou a tramitação do projeto de lei complementar (PLC) 19/2024 na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Mas muito maior foi o tempo em que se desenvolveu a luta do Sindicato dos Servidores do Ministério Público de Santa Catarina (Simpe/SC), da Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais (Fenamp) e da Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (Ansemp) para que esse projeto, que vai mudar a história dos servidores e servidoras do Ministério Público de SC, se tornasse realidade.
As ações diretas de inconstitucionalidade
Essa história, construída com muito diálogo e confiança na vitória da categoria, remete a 2016, quando a Ansemp moveu uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) questionando uma norma que, no estado da Paraíba, estabelecia percentual mínimo de 15% para provimento de cargos em comissão aos servidores efetivos do Ministério Público daquele Estado. A ação explicou que a lei estadual 10.432/2015, que instituiu o plano de cargos, carreiras e remuneração do quadro de serviços auxiliares do MPPB, em sua redação original, determinava que 50% dos 397 cargos em comissão do órgão seriam preenchidos por servidores de carreira até 2024. Porém, a alteração introduzida pelo artigo 3° da lei estadual 10.678/2016 excluiu alguns cargos de assessor de procurador e de promotor de justiça da reserva de 50%. Com isso, o número foi reduzido para apenas 60, e, na prática, a reserva de cargos comissionados que deveriam ser ocupados por servidores efetivos caiu para pouco mais de 15%.
Normas semelhantes, que privilegiam cargos em comissão e nomeações sem concurso público, existiam em outros lugares do Brasil, inclusive em Santa Catarina. Por isso, a Ansemp e a Fenamp repetiram o procedimento em diversos outros estados: entre 2016 e 2019, foram 15 ADIs com o mesmo intuito em diferentes estados.
Em relação ao Ministério Público de Santa Catarina, as entidades nacionais ingressaram com a ADI 5777. Nesse caso, a ação apontava que, em 2012, o MPSC contava com 382 concursados e 86 comissionados, proporção que mudara radicalmente em poucos anos: em 2017, quando ajuizada a ADI, eram 655 cargos de provimento por concurso e 1.205 de livre nomeação e exoneração. Conforme o pedido, a situação demonstrava que “a admissão sem concurso público foi transformada em regra”. Essa ADI foi ajuizada em 2017 e, posteriormente, o Simpe/SC ingressou como amicus curiae, passando a poder intervir diretamente na ação.
Em setembro de 2021, o STF acolheu, de forma unânime, o pedido da Ansemp na ADI que tratava do caso da Paraíba. O relator, ministro Ricardo Lewandowski, apontou que a situação evidenciava “inequívoca burla à exigência constitucional de concurso público”.
Negociação ganha força e entidades sindicais dialogam com administração
A decisão do Supremo foi um sinal de que o mesmo entendimento poderia ser aplicado nos demais estados. Embora não haja uma relação formal entre as ADIs e o que viria a ser o projeto de lei que tratou do Plano de Cargos e Salários do Ministério Público de Santa Catarina, a posição do STF no caso da Paraíba acabou por estimular a administração do MPSC a buscar negociar com as entidades representativas dos servidores e servidoras – Simpe/SC, Fenamp e Ansemp. Em poucos meses, foram pelo menos oito reuniões que buscavam a formulação de um projeto de lei que contemplasse os direitos dos servidores e as necessidades da instituição.
Maioria de concursados em até 12 anos
Por parte das entidades sindicais, a principal reivindicação, da qual não abriam mão, era que fosse garantida a maioria de servidores concursados. Com isso em mente, a administração apresentou um esboço de planejamento para que, paulatinamente, se chegasse a essa maioria. O MPSC propôs uma divisão de 50% de comissionados e 50% de concursados, o que não foi aceito pelas entidades. Finalmente, as representações da administração cederam e aceitaram que a proporção fosse de 51% concursados e 49% comissionados.
Inicialmente, o MPSC propunha que a maioria de efetivos fosse alcançada no prazo de 13 anos. Após cálculos e negociações, foi acordado o período de 12 anos para implementação completa do projeto. Com isso, além de garantir a adequação do quadro de pessoal, o sindicato logrou uma solução equilibrada, que preservou os 1.166 empregos de servidores exclusivamente comissionados da instituição.
Porém, ainda havia arestas a serem aparadas.
Ganhos financeiros e garantia de benefícios
Um ponto importante para os representantes dos servidores e servidoras era proteger benefícios hoje recebidos pela categoria de eventuais reformas e decisões políticas do atual ou de futuros governos que venham a assumir o Estado. Isso porque há benefícios que são elencados no Estatuto do Servidor do estado e que contemplam a categoria, mas que podem ser retirados pelo governo estadual. As entidades defenderam a inclusão de benefícios como a licença-prêmio e o adicional por tempo de serviço no projeto de lei que reestruturou o Plano de Cargos e Salários dos servidores do MPSC, ou seja, em uma lei específica do Ministério Público.
Havia também preocupação em buscar valorização financeira para a categoria. Isso foi obtido, em primeiro lugar, com o novo direito à possibilidade de transformar licença-prêmio e férias em pecúnia. Mas o ganho financeiro para os servidores irá além: o sindicato também logrou incluir no projeto de lei um reajuste real dos salários.
O SImpe/SC defendeu que o salário final dos cargos de nível superior chegasse a 85% do inicial dos Promotores de Justiça. No entanto, a administração pontuou que não havia orçamento para chegar-se a esse patamar naquele momento. Com isso, e considerando outros ganhos obtidos durante a negociação, conquistamos 5% de ganho real nos vencimentos da categoria. Este incremento será de 3% a partir de 2025, somado à inflação, e mais 2% de ganho real no próximo ano, também somado à inflação.
Ao mesmo tempo, foi criado um grupo de trabalho com representantes do sindicato. Este grupo irá analisar as finanças do Ministério Público e acompanhar a execução do projeto ao longo dos 12 anos, visando também futuros ganhos reais para os servidores e a possibilidade de se chegar nos 85% pleiteados neste ano.
Por fim, duas outras conquistas foram alcançadas na negociação: o aumento do auxílio-funeral, que passará a ser equivalente ao último salário do servidor.
Fortalecimento da categoria
Outra conquista importante foi a ampliação do quadro de servidores efetivos da instituição. Com a mudança no Plano de Cargos e Salários, foi criado o cargo de analista jurídico para atuação na atividade-fim da instituição.
Além das 185 vagas de Analista Jurídico criadas, também houve o aumento de vagas em outros cargos de nível superior: Analista em Administração (+2), Analista em Contabilidade (+5), Analista em Geoprocessamento (+1), Analista em Pedagogia (+2), Analista em Psicologia (+5), Analista em Serviço Social (+2), e Analista em Tecnologia da Informação (+2). Ao todo serão 204 novos servidores ingressando no Ministério Público de Santa Catarina no próximo período.
Outra vitória importante para o fortalecimento da categoria foi que, até aquele momento, não havia nenhum diretor do sindicato liberado para atuar em tempo integral. A negociação com a administração também levou à liberação de pelo menos um dirigente pelo Simpe/SC e um pela federação. Uma conquista importante para que as entidades possam trabalhar de forma cada vez mais intensa pelos servidores e servidoras do MPSC.
Luta virou conquista com lei complementar 871/2025
As negociações e acordos foram tornados concretos com o envio, pelo Ministério Público de Santa Catarina à Assembleia Legislativa do estado, do projeto de lei complementar (PLC) 19/2024, em 9 de dezembro do ano passado. O PLC incorporou as reivindicações dos servidores e servidoras nos termos que foram acertados entre entidades sindicais e administração do MPSC.
No dia 15 de abril de 2025, o projeto foi aprovado nas comissões de Constituição e Justiça, de Finanças e Tributação e de Trabalho, Administração e Serviço Público. Na mesma data, foi aprovado em Plenário. Em 16 de abril de 2025, 128 dias após chegar à Casa e 1.300 dias após o STF decidir em favor dos servidores na ADI referente à Paraíba, o PLC 19/2024 foi transformado na Lei Complementar 871/2025.
A insistência das entidades sindicais na luta e no diálogo gerou conquistas importantes para a categoria. Garantiu a manutenção dos colegas que hoje atuam em cargos em comissão e, ao mesmo tempo, gerou ganhos salariais e benefícios para os concursados. Quem também ganhou foi o conjunto da sociedade de Santa Catarina, que terá um Ministério Público com maioria de concursados e cada vez mais forte para atender as necessidades da população do nosso estado.
Veja abaixo um resumo das conquistas:
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O MPSC terá maioria de servidores efetivos (concursados) em até 12 anos
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Incorporação de benefícios como a licença-prêmio e o adicional por tempo de serviço ao Plano de Cargos e Salários
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Servidores passam a ter direito a vender licença-prêmio e férias
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Aumento salarial real (acima da inflação) de 3% em 2025 e 2% em 2026
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Criação do cargo de analista jurídico e ampliação do quadro de servidores efetivos
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Criação de grupo de trabalho com a participação do sindicato para acompanhamento e busca por novos ganhos para a categoria
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Manutenção do emprego dos atuais comissionados
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Liberação de dois dirigentes sindicais, um pelo Simpe/SC e um pela Fenamp e Ansemp